
A guerra comercial do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com a China criará uma oportunidade para os exportadores agrícolas brasileiros. Eles poderão conquistar uma fatia ainda maior do mercado chinês, ganhando espaço sobre os agricultores americanos. No entanto, essa situação também pode contribuir para o aumento da já alta inflação de alimentos no Brasil.
A China respondeu rapidamente às novas tarifas impostas pelos EUA nesta semana. Como retaliação, o governo chinês anunciou aumentos de 10% e 15% em impostos sobre produtos agrícolas americanos. Essas tarifas atingem um total de US$ 21 bilhões em exportações dos EUA, incluindo carne e soja.
Brasil como alternativa para importadores chineses
O Brasil é o maior exportador mundial de soja, algodão, carne bovina e de frango. Com a guerra comercial, o país deve aumentar suas exportações para a China, já que os importadores chineses buscam alternativas livres de tarifas.
Durante o primeiro mandato de Trump, a guerra comercial entre EUA e China afetou os agricultores americanos. Os fazendeiros dos EUA perderam parte do mercado para o Brasil, especialmente nas valiosas exportações de soja para a China.
Os EUA nunca recuperaram essa fatia de mercado para a soja. A China continua comprando mais de suas importações agrícolas do Brasil do que antes da primeira guerra comercial, e isso provavelmente vai acelerar novamente com a última rodada de tarifas.
Impacto nos preços e inflação no Brasil
“As crescentes tensões entre EUA e China provavelmente levarão a China a adquirir mais grãos e proteínas do Brasil, o que pode reduzir a demanda por commodities e, por sua vez, os preços nos EUA, ao mesmo tempo em que aumenta a demanda e os preços no Brasil”, disseram analistas do Santander.
Os preços da soja brasileira já estão subindo. O prêmio nos portos locais atingiu uma alta da temporada esta semana, disse Eduardo Vanin, analista da Agrinvest.
“Qualquer demanda adicional da China pode resultar em exportações mais fortes do Brasil a preços mais saudáveis”, disseram analistas do Itaú BBA em nota aos clientes.
Isso apoiaria empresas agrícolas brasileiras como a SLC Agricola (SLCE3.SA) e BrasilAgro (AGRO3.SA). Mais exportações significariam menos oferta doméstica, no entanto, e isso aumentaria os custos dos grãos para alimentar os animais para frigoríficos locais, como a JBS (JBSS3.SA) e BRF (BRFS3.SA).
Pressão severa
Um aumento nos preços dos alimentos, no entanto, seria uma má notícia para o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Sua popularidade caiu nos últimos meses, principalmente devido aos altos custos dos alimentos.
Os preços de alimentos e bebidas subiram cerca de 8% em 2024 como um todo, de acordo com a agência de estatísticas IBGE, e em janeiro subiram quase 1%, marcando o quinto mês consecutivo de aumento. Os dados de fevereiro serão divulgados na próxima semana.
O Banco Central do Brasil, que vem aumentando as taxas de juros, afirmou que os preços mais altos da carne tiveram um impacto significativo no aumento dos custos dos alimentos. Além disso, a instituição descreveu um cenário adverso para o curto prazo.
O vice-presidente Geraldo Alckmin e outras autoridades se reunirão com líderes da indústria alimentícia na quinta-feira, enquanto o governo busca maneiras de reduzir os preços dos alimentos.
A inflação também aumentou em 2018-2019, quando o Brasil exportou mais produtos agrícolas para a China.
Os preços ao consumidor no Brasil encerraram 2018 em 3,75% e aceleraram para 4,31% no final do ano seguinte.
De volta para o futuro
O Santander observou que as últimas tarifas anunciadas por Pequim acelerariam a diversificação de longo prazo dos suprimentos dos EUA. Apesar disso, essas tarifas são menos severas do que as impostas em 2018.
A demanda turbinada da China melhoraria uma perspectiva já positiva para o agronegócio brasileiro. O setor vê a produção de produtos essenciais atingir níveis recordes neste ano.
Espera-se que o Brasil colha uma safra recorde de soja de cerca de 170 milhões de toneladas em 2024/25. As exportações devem superar 100 milhões de toneladas. Além disso, as indústrias de carne bovina, de aves e suína também preveem produção e embarques recordes neste ano.
“A China tentará obter o máximo possível do Brasil”, disse Carlos Cogo, da consultoria de agronegócios Cogo. Ele acrescentou que as novas tarifas tornariam os produtos americanos ainda menos competitivos em relação aos brasileiros.
O gráfico tem duas seções. A primeira é um gráfico de barras, que mostra a participação do Brasil e dos Estados Unidos nas importações agrícolas totais da China em 2015 e 2024. A segunda é um gráfico de linhas, que apresenta a evolução das importações agrícolas do Brasil e dos EUA entre 2015 e 2024.

Carne de primeira
Representantes dos produtores de carne do Brasil disseram que a mudança no comércio global deve ser positiva para o país sul-americano.
“O Brasil acabará se beneficiando, especialmente em termos de preços e lucratividade”, disse Ricardo Santin, chefe do grupo de lobby da carne ABPA, à Reuters.
As ações dos frigoríficos e produtores de grãos brasileiros ficaram praticamente estáveis na quinta-feira, após terem subido acentuadamente na sessão anterior.
Santin disse que os ganhos com mais exportações para a China, que já é um grande comprador de carne brasileira, provavelmente compensariam os custos mais altos da ração.
Fonte: Roberto Samora, Gabriel Araujo, Ana Mano, Simon Webb e Marguerita Choy | Notícias Agrícolas